quarta-feira, 29 de julho de 2009

Incoerências

Vocês me conhecem o suficiente para acreditar naquilo que digo sentir e pensar, por isso não peço nem exijo de vocês nada, mas tão somente o tempo para terminarem de ler esse doloroso bilhetinho. E peço-lhes desculpas por tomar esse tempo de vocês. Depois de pensar e pensar acabei chorando, não estou com raiva, sentimento que verdadeiramente pode estar sendo solidário aos dois, porém choro pela invasão de uma profunda e imensa tristeza. E confesso que eu não estou triste pela briguinha de vocês, pela troca imediata de ofensas ou coisas do gênero, estou triste tão somente pelo fato de que a amizade, deusa crida tão poderosa, tenha se revelado surpreendente e dolorosamente frágil, como eu. E, pra mim, é insuportável vê-la igualzinha a mim, e pior: revelada assim em vocês, vocês que tanto alimentam minha esperança e minha força de superar esse espeinho terrível que me atormenta todos os dias, todas as horas, todos os sonos, que atormenta minhas alegrias, conquistas, enfim, vocês certamente, por mais que queiram, não entendem e há de nunca entender, pois para entender seria preciso perfazer esse caminho que é tão meu.
Se desentendimento houve, certamente ele foi necessário pra alguém, pra ambos, menos pra mim. Entendo, estou chorando, mas inteiramente convicto de que sou capaz de superar aquilo que nem me pertence, aliás, por isso mesmo serei capaz de superar, driblar essa angústia jamais pensada, inimaginavelmente desejada. Serei capaz sim, buscarei, forjarei todos os artifícios para superar, apelarei até ao Deus de vocês.
Vocês necessitam de um tempo para resignificarem a relação de vocês, é preciso, os fatos se impõem e impõem escolhas e atitudes. Mas a mim também, in-fe-liz-men-te. E como tudo se torna agora “imposto” – no duplo sentido, porque também isso é um ônus – eu preciso desse tempo, eu preciso me reencontrar antes de vocês, sem vocês, eu preciso me zerar, desabsolutizar vocês para não sofrer mais com perdas, eu descobrir que eu não sei perder coisas boas e fundamentais. Diriam: “Ah, Josemar, você não tá me perdendo!” – não gente, eu perdi vocês e agora eu tenho de retornar pro meu tempo e reconquistá-los separadamente, eis uma tarefa que se impõe e que será insuportável, depois de ter experimentado a mais deliciosa e sublime experiência de amizade, essa deusa poderosamente frágil. Eu não quero mais amar amigos como eu amei essa amizade tripla – pois ainda sofria calado a falta de um “guerreiro” nessa amizade, e como sofria pela falta dele nessa cotidiana e necessária amizade.
Ôôôô gente, como sofro por tudo isso! Mas não quero ser apelativo, pois eu sou defensor da liberdade e não quero que minha fraqueza e fragilidade seja mediocremente apelativa. Neguem e reneguem isso em mim. Desejo, necessito, quero que vocês sejam livres, que vossos sentimentos sejam tão fortes e robustos como deve ser minha querida liberdade e promessa de superação.
O sentido da cicatriz é a marca, e se vocês juntos marcaram minha vida, faz-se necessária, agora, a cicatriz. Que ela seja bem-vinda. Reafirmo que desejo, que necessito, que quero que tudo seja como vocês planejaram até antes desse bilhete que agora já parece mais uma carta. Ora, se amigos deixam de ser amigos, que os bilhetes também deixem de ser bilhetes, mesmo porque a efemeridade não é apenas para os bilhetes. “Debaixo do céu há tempo pra tudo e tempo certo para cada coisa”. Que o Tempo, o meu Senhor Tempo, faça-me entender e viver isso. Eu amo vocês, mas devo amar cada um. E até acho que essa situação está me ensinando a amar, está me revelando que eu não estava amando vocês.
Quero entender que o desentendimento entre vocês nem é para separar vocês, mas é para me ensinar a amar vocês separadamente, eu acredito que eu nasci pra amar, pra agradecer, e eu não estava enxergando mais cada um, mas um. Deus me castigou pra me ensinar a amar, e devo agradecer a Deus por essa dor terrível, quero, estou enxugando cada lágrima doída, exercitando a gratidão. Nada pode me tirar desse objetivo, desse destino que aquele espinho me impõe: de a cada dia agradecer por tudo, e essa tarefa agora se impõe, dói agradecer por isso, mas tenho esperança de um dia entender, qualquer dia, mesmo quando dia não mais houver.
Sou grato a vocês profundamente pelo até hoje, tenho o coração dolorosamente encharcado de gratidão por essa experiência tão maravilhosa. A vida tem me tirado muitas coisas, mas concomitante tem me ensinado a vivê-la. Neste ano, tenho tido muitas surpresas e aprendizados, não sei bem ainda para que servem todas essas coisas, mas, certamente, e quero crer, elas têm um sentido, devem ter, exigem um sentido.
Não quero mais me delongar. O tempo urge e a vida se impõe. Minha tarefa agora é não deixar vocês, melhor, é não deixar “ele” perder sua importância para mim; minha tarefa agora é não deixar “ela” perder sua importância para mim. Cuidá-los a cada um. Eis as minhas tarefas, dê-me, agora, Senhor, a força da resignação, a coragem da esperança e a beleza da fé para enfrentar uma solidão, essa reclusão pedagógica. O Tempo quer ser louvado por nós, que o louvemos, que lhe rendamos graças por tudo e por cada coisa. Não precisamos buscar entender nada agora, porque agora o Tempo quer iniciar seu ritual, Ele quer se manifestar. Que Ele seja bem-vindo. Adentre, Senhor, nossa vida e faça de nossa existência a sua olaria. Morrerei de saudade de vocês, mas lhes buscarei quando a dor for suportável. Eu amo a cada um de vocês, mas preciso do Tempo em mim agora!
Josemar também é Tempo!

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Corpo: uma ideia que dança

Pode-se dizer que uma das coisas mais incomuns é pensar o corpo em si mesmo, isentando-se, claro, das representações sociais. Melhor: talvez seja mais ainda incomum deixar o corpo pensar por si mesmo, deixá-lo todo ser pensamento. Os humanos, sendo bastante racionais, não permitem que o pensamento se revele tal como é: físico, corpóreo. É, parece estranho e deveras complexo, mas é preciso, é necessário acreditar que o pensamento é corpóreo.
Deixa-se essa complexidade de lado se pressupormos que nossa existência, toda ela e sem exceções, exige, antes de qualquer coisa, ele, o corpo. Ele é o fundamento, o alicerce, a condição de possibilidade para que tanto o escritor como o leitor interajam nesse texto. Sem corpo não há vida, não há mundo, não há existência real. Levando-o à radicalidade da sua afirmação, será possível declarar que corpo é tudo.
Porém, a vida humana – seus artifícios, o forjamento de tantos modos de vida e de representações sobre ela – transforma a relação do homem com seu corpo. De algum modo, talvez até necessário, as representações sobre a vida ganharam relevância em detrimento do corpo. Este passou a servir de maneira aparentemente incansável àquelas. E a dinâmica entre vida e corpo quase que guerreia numa autodestruição metaforizada pela pseudo-auto-afirmação, como se vida e corpo dispensassem uma necessária e absoluta distinção.
Ser magro, ser belo, ser branco, ser alto não são exigências emergidas do corpo, mas das representações sociais dispensadas pelas comunidades ou grupos a que os indivíduos pertencem. Não é verdade que magreza, beleza, brancura e altitude são categorias sinônimas de saúde e perfeição. As representações se impõem assim como o corpo, apesar da interdependência entre eles então desconsiderada. Afinal, “quem ama o feio bonito lhe parece”!
Mas é preciso lembrar, senão saber, que as representações são pontos de vista sobre alguma realidade. Algumas são pontos de vista fixados pelo costume da eficiência, tornando-se aquilo que chamamos de verdade. Ou seja, alguém acredita tanto que ser magro é bom para saúde que acaba construindo a realidade para que isto entre numa sintonia verossímil. A vida é para o indivíduo aquilo que ele acredita que é – apesar de ela se impor com quer. Ora, se as representações são pontos de vista, pode-se refletir que nada é tão verdadeiro como se apresenta, posto que tudo à medida que é pode não ser também. Eis um problema ético, eis a tarefa humana.
Pois bem! Uma verdade é anunciada: o corpo é aquilo que é e não pode deixar de ser – ei-lo. O corpo é o único ponto de vista que é em absoluto o ponto de qualquer vista, de qualquer visão, de qualquer perspectiva. Ele é o ponto, o lugar (lócus) por onde se vê algo, se percebe algo, se sente algo. Ele é o acontecimento onde tudo acontece: o nascimento, o crescimento, a morte, a tristeza, a alegria, a festa, a dança.
O pensamento tem que aprender a dançar com o corpo. Zeca Baleiro, na música Alma Nova, deparando-se com um corpo despido e belo, lembra-nos: “... E eu digo: Calma alma minha, Calminha, Você tem muito Que aprender...”. É, o pensamento que canta deve entrar em sintonia com o corpo que dança. Há um sentido na música e na dança, mas não há lógica nem regras enrigecidas como na racionalidade. O corpo que canta e dança torna-se leve e livre. “Quem canta os males espanta!”.
Uma das atividades humanas mais interessantes e belas é a dança. Dançar é verbo e como tal é possibilidade de ação, de acontecimento. É preciso ter um corpo todo disposto para ver a dança ser. Mesmo aqueles que não sabem dançar, porventura não gostem de dançar, todos gostam de, pelo menos, admirar alguém dançando em dada circunstância. Não há festa que não se perceba as insinuações da dança, por tímidas que sejam. Ela constitui a corporeidade, a dança revela os movimentos sinuosos, sensuais e atraentes do corpo. A dança desvela o corpo.
Exige-se observação para entender. Pôr-se a ver aquele que dança, sentir com os olhos seus movimentos, o fôlego, o suor, o peso da leveza, a textura da pele, a firmeza da flexibilidade... enfim, sentir por apenas ver, e ter como conseqüência um coração santamente invejoso e acelerado, num desejo imenso de cair na gandaia. Um corpo bem visto, admirado, desejado sempre acaba convidando a um encontro, vamos dizer, essencial. Ninguém pode dançar só. Pode-se dançar afastado, mas só é proibido.
Uma moça dançando sozinha no salão: todos e todas se sentem exigidos e exigidas à solidariedade. A dança exige e só é feliz na solidariedade, na partilha e no compartilhamento do sentido e do movimento do corpo, dos corpos. Dançando, a moça desperta, seu corpo desperta o pensamento em todos e em todas de que dançar é preciso. Dançando sozinha, ela não escolhe com quem quer dançar, mas impõe a todos o desejo de entrar na ciranda, desperta em cada corpo presente uma solidariedade vital e fecunda de liberdade e leveza, conduzindo o pensamento a uma alegria irradiante.
É dançando que se experimenta o pensamento leve. Cantando, as idéias como que são embaladas como uma criança que ninada tem seu corpo amolecido e logo embevecido de um sono acalentador. A harmonia essencial entre música e dança é o sinônimo metafórico da harmonia entre o pensamento e o corpo. É a coerência religiosa entre vida e morte. O corpo é uma idéia que dança – eis a musicalidade da existência.
O filósofo ateu declarou: “eu acreditaria num Deus que soubesse dançar... assim falou Zaratustra”. A vida conduzida por representações é demasiada pesada, enfadonha e triste. Mas a morte do corpo sempre nos impõe a lembrança de que em algum momento fomos alegres, talvez até felizes. Certamente que em meio às alegrias e felicidades a música e a dança compuseram o cenário da vida do corpo e do corpo da vida. Que o humano aprenda a dançar e, dançando, aprenda a viver. Que o humano ensine aos deuses a dançar e que os deuses entoem hinos de louvores aos humanos. (Ou: dêem ao humano uma Boa Morte)
Josemar é corpo!

segunda-feira, 2 de março de 2009

Necessidade

Tudo o que há, há por necessidade. A necessidade poderá ser interpretada como de ordem natural, histórica ou construída. Poder-se-á afirmar que uma coisa é necessariamente necessária, ou sua necessidade será não muito intensa, superficial, facultativa a ponto de se dizer desnecessária. Ora, uma coisa facultativa não é e nem pode ser uma coisa desnecessária. Se algo há, há por necessidade, mesmo que esta coisa não seja necessária para mim. Porém, foi necessária para outrem! A facultatividade de uma coisa para mim, não me outorga o direito de julgá-la desnecessária, mas apenas facultativa, pois amanhã, em contexto diferente, a coisa poderá ser necessária. A desnecessidade não existe para algo que tenha possibilidade de vir-a-ser, a desnecessariedade só há para algo que não pode vir a ser, portanto, este algo nem poderá ser considerado algo. Se há algo, algo será sempre necessário.
Creio, assim, que tudo, sendo necessário porque o fiz necessário ou porque sua necessidade foi imposta a mim, deve ser amado, senão, no mínimo, respeitado. Para não ficar no mundo das idéias e fazer-me entendido, darei um exemplo bem próximo: quando você sai de casa para ir à faculdade, ao trabalho ou a qualquer lugar e, durante o percurso, você encontra um impedimento, a exemplo de um congestionamento no trânsito, sua reação imediata é de chateação, pois algo te impede de seguir o percurso do modo como você planejou. Mas pense que algo está acontecendo à sua frente e que impede seu carro ou ônibus transitar. O que acontece, impedindo os carros transitarem livremente, é, certamente, o que você menos deseja, por isso lhe causa chateações, mas perceba que este algo é necessário para a pessoa que está realizando o ato que impede os carros de transitarem. O que não é necessário para você é necessário para outrem!Portanto, sendo necessário, mesmo que não seja para mim, deve ser e não tem como não ser. O ato não pode ser desfeito, consertado, transformado. O necessário não vem a ser, já é, está acontecendo, é o ato sendo. Desse modo, o necessário não é estar na ordem da possibilidade, do planejamento, da hipótese, o necessário é na medida do sendo. Se um arquiteto desenha uma planta projetando um imóvel, o cimento e a areia não são ainda necessários, só o serão quando os operários e máquinas chegarem ao local onde deverá iniciar a construção; é no ato de construir que tais elementos se farão necessários, antes eles são apenas hipóteses ou possibilidades.

18 de abril de 2008.
Josemar, algo necessário!

O ancião, as crianças e a felicidade...

Num certo dia, um grupo de crianças, que tendo ouvido falar da felicidade, procurou o ancião da aldeia, que tinha 100 anos, para perguntar-lhe qual era o segredo para ser feliz. O ancão, reunindo-as no jardim da praça, e acalmando-as, começou a contar-lhe uma estória:


Uma vez, um jovem de 15 anos, decidiu que o projeto de sua vida era de ser feliz. E ele disse a seus pais e seus amigos:
_ Quando adulto, eu quero ser um homem feliz!
O jovem cresceu, chegando aos 25 anos, decidiu:
_ Tenho que terminar minha faculdade, depois começar a trabalhar e ter filhos, assim serei feliz!
Aos 35 anos, aquele que era jovem disse:
_ Trabalharei intensamente para educar meus filhos, e quando eles estiverem criados eu serei um homem realizado e feliz!
Com 45 anos, ele ainda diz que terá que terminar de trabalhar, pois só depois de aposentado poderá descansar e ser feliz.
Com 60 anos, apaixonado pelos netos, diz que só quando os vê crescidos será feliz.
Chegando aos 80 anos, ele pede a Deus vida e saúde pois, sendo doente por causa da idade, ainda não é feliz, quer ver os filhos de seus netos...
Aí, ele completa 100 anos, e conclui:
_ Passei toda minha vida na esperança de que no futuro eu seria um homem feliz. Hoje, quando chega a morte em minha porta, sem perguntar se sou feliz, compreendo que perdi muito tempo pensando no futuro que é sempre o Agora.

Assim, o ancião ensinou às crianças que para ser feliz será preciso viver e amar intensamente como se não houvesse o amanhã, pois a esperança pelo futuro ‘pode ser’ a maior traição que um homem pode fazer a si mesmo.
08 de fevereiro de 2004,
Josemar - um desejo de felicidade!

domingo, 1 de março de 2009

Sal, Pimenta e Mel

Não sabendo usar bons versos para poder começar, começo falando de um não-saber. Eh! Um não-saber sobre o amor, mesmo por que o amor é sempre mal sabido, não se deixa saber, é apenas para sentir...
Contemplo teu modo de ser, teu modo de se apresentar aos meus olhos que desejam ver tudo, que desejam ver até o não-poder ver e saber.
Apenas pelo ter sentido, ponho-me a pensar, a falar, a degustar a imagem da tua presença; sentir a negritude de teu cabelo quase ondulado, estando sempre velado pelo artifício da sedução, lembrando-me as ondas naufragantes de muitos sonhos... Sentir teus olhos procurando repouso entre meu corpo desprovido do leito por ti desejado.
Tua boca! Não há palavras para falar de tua boca, fonte das palavras livres e seguras, objeto de todo o meu desejo, da saciedade, do encanto e da força; teu beijo, único e grande, tão grande que se transborda em minha memória que sempre busca insanas formas... Prefiro esquecer teu beijo a condenar-me à loucura das enganadoras formas! Teus dentes informando tua boca num movimento convidativo a todo desejo...

Teu corpo inteiro é grito na boca de meu desejo; meu desejo morto em esperanças; meu desejo que, pela tua decisão livre, está condenado a ser saciado pela falta, pela ausência tua, pelo eterno não-saber do gosto do sal com pimenta e mel; o gosto de um instante eterno do presente, de um presente que lembra tudo de você...
Você: tem o gosto do nunca provado; imagem de um futuro que, por tua imperativa liberdade de ser, já é passado; um passado sem cor, sem forma, sem sentido, sem você inteiro; um passado que só é desejo ressequido e ferido pelo amado livre... Amado, que por ser amado, torna-se livre pelo amor que lhe transpassa sem dor ou alegria, ferindo-se na tua liberdade...
Meu amor e tua liberdade sufocaram a virilidade de meu desejo, afirmando a dolorosa e real distância... Uma distância que me plantou num lugar qualquer, onde tua liberdade e meu desejo se desencontraram... Assim como se desencontraram a luz e a sombra, que não sendo opostas, buscam-se como que misturadas pelo caminho, onde a penumbra ofusca tudo e não mais sabemos sobre luz ou sombra.
Você, meu Bem, nasceu apenas para duas possibilidades: não ser conhecido ou ser amado! Eu, não podendo te amar com viril desejo, preferiria não te conhecer; mas se ti conheço, ama-lo-ei por quanto o amor em mim houver!
19 de setembro de 2006,
Josemar, quem ama não esquece!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Feliz aniversário

Na vida, há muitas coisas que julgamos ou aprendemos a julgar importantes, e elas acabam sendo não pelo fato de serem por si mesmas, mas porque não podemos mais nos desvencilhar da crença de que são. Aliás, a própria vida é circunscrita neste preconceito de que ela própria é a coisa mais importante. No entanto, é bom saber que aqui importante não é sinônimo de “coisa boa”, mas daquilo que nossas crenças tornam relevantes dentro da dinâmica de nossa existência.
Em se tratando da vida, ou se tratando das coisas na vida, criou-se um costume de celebrar, festejar, reunir em alegria aqueles e aquelas com os quais e com as quais compartilhamos tudo ou boa parte desse tudo. E celebramos a vida ou as coisas que dela fazem parte. Mas a festa também pode significar uma estratégia de fuga, de mascaramento, fantasia sobre algo que nos aterroriza, assusta, amedronta, e este algo é mesmo a própria vida.
É que para mim – e não apenas para mim –, a pior coisa que pode acontecer, manifestar-se é o nascimento de alguém, de mim mesmo, enfim, de algo que venha a existir. Existir constitui-se de uma dor profundamente pungente. Sair do nada e entrar na dinâmica da existência é uma coisa profundamente indesejável por nós humanos, mas ainda assim, somos convocados a existir por acaso ou por vontade daqueles que, não querendo sofrer sozinhos, chamam a nós, fantasiando-nos como suas réplicas para alimentar a ilusão de suas perpetualidades.
Nascendo, imediatamente entramos no movimento fantasmagórico: criamos estilos de vida ou de sobrevivência, formas de morar, de higienes, de relações, de locomoção, modos de interpretar o mundo, as coisas, forjamos a idéia mesmo de interpretar, de conhecer e de verdade. Inventamos a escrita e o entendimento. Criamos a idéia de cultura. Tudo, tudo o que existe e que faz parte de nossa dinâmica existencial não passa de nossa necessidade de ultrapassar, sobrepor à consciência de que existimos e, portanto, sofremos. Agora entendo o porquê da frase nietzschiana que sempre me chamou a atenção e sempre esteve presente em meu pensamento: “a força curadora está no próprio ferimento”. É que parece que mergulhando na vida (ferida) encontramos seu sentido profundo: o sofrimento. E é assumindo este sentido que assumimos a vida mesma.
E se as invenções, as festas e celebrações são para esquecer o sentido de nossa existência, isso não significa que de fato esquecemo-lo. Pois a existência carrega consigo a tarefa de fazer-nos sempre vigilantes à existência, consciente de que existimos. E na obrigação de lembrar em determinada data a nossa existência e sua epifania, seu nascimento, sua explicação ao mundo, logo encontramos um modo todo ilusório, todo enfeitiçado para não mergulharmos em seu sentido. A festa, portanto, é nosso constructo necessário para suportar o fardo que é existir. Desejar um feliz aniversário é oferecer os votos para que o indivíduo verse com boas fantasias este seu próximo ano, ou, então, celebrar a vitória das fantasias do ano que passou. Bem, uma coisa não aniquila a outra: a festa é tanto pelo ano que passa como para o ano que se promete.
Diante do ano que virá, a promessa é a arma. A promessa enche o homem de esperança, de fantasias, de ficções. Prometer é estabelecer uma esperança. Esperança de...
Feliz aniversário...

Josemar, uma pseudônima promessa, 22/02/09 - 10:21h