segunda-feira, 5 de julho de 2010

Teu cheiro...

...é uma metáfora para meus prazeres. No teu cheiro meus instintos encontram o caminho por onde desejam fazer-se. Pelo teu cheiro sinto meus olhos brilharem no reflexo dos teus. Em teu cheiro minha alma encontra o refrigério de que precisa. Do teu cheiro brota uma essência que atrai para ti toda minha respiração. Há em mim um desejo aromático por ti. Teu cheiro enche meu mundo de fôlego. Por causa de teu cheiro eu quero apenas inspirar as lembranças inesquecíveis. Teu cheiro cria em mim uma memória de presentes. Teu cheiro é o perfume que agrada meu querer, desperta meu corpo, esquenta meu sangue, ressuscita meus sentidos, revigora meu tato. Minha razão, sufocada pelo teu cheiro, perde-se nas mãos que percorrem todo teu corpo perfumado. Teu cheiro me excita. Teu cheiro me quer dentro de ti. Quero você dentro de mim – te respiro todo, te cheiro, te respiro, te cheiro... Teu cheiro me dá sensação de felicidade, teu cheiro efêmero cria algo infinito em mim: o lugar da saudade e do desejo. Teu cheiro cria em mim a força da saudade, a fraqueza da razão, a loucura da paixão, o destino dos sentidos... Teu cheiro cria em mim um sentimento de reticências. Teu cheiro cria em mim pensamentos sem palavras e palavras sem sentido. Teu cheiro é a rima da poesia declamada pelo oráculo do desejo. Teu corpo parece mergulhado num perfume que possui todas as fragrâncias, teu cheiro conduz meu rosto por todo teu corpo, buscando a fonte do teu sabor, querendo o lugar para ali descansar meu desejo. Teu cheiro desperta meus segredos, me coloca no caminho por onde me perco, me encontro, por onde sou. Teu cheiro me faz sentir coisas infinitas, efêmeras, potentes, me faz sentir dependente da vida, do corpo... Quando sinto teu cheiro, te sinto dentro de mim, se fazendo em mim, me consumindo por dentro, preenchendo meus espaços, me ajudando a ser, me faz. Teu cheiro, acompanhado de tuas mãos, tira de mim todos os sentidos, desfaz todas as esperanças, constrói um presente eterno. Teu cheiro, acompanhado de tua boca, torna minha alma sedenta de tua saliva. Teu cheiro, acompanhado de tua força, me obriga à espontaneidade da completa entrega. Teu cheiro me conduz tão somente para você, e todos os caminhos só me mostram você sorrindo. Teu cheiro me conduz à liberdade, e todos os meus instintos se realizam nele. Teu cheiro faz teus braços sustentarem o fogo que me consome e tuas pernas dominarem meu destino. Teu cheiro não é apenas aquilo que percebo em ti, mas teu cheiro é aquilo que me conduz, o algo dos meus espaços, o infinito do nosso presente, a solidez de nosso encontro efêmero, a coisa que nos dá a noção de eternidade.

Josemar Rodrigues da Silva
04.07.2010
01’19’’/10’25’’

sábado, 22 de maio de 2010

Assim ...


... essa solidão profunda, essa falta de domínio sobre a existência, essa demanda infinita de ser, essa infelicidade que perdura e maltrata, esse desalento profundo, esse amor insubstituível, essa finitude horrenda, eu, esse desequilíbrio com e sem precedente, esse choro da alma, eu sem mim, esse amanhã que não chega e perturba esse descontrole emocional, esse desejo de nunca ter sido, meus amigos, minha família, eu de novo, essa esperança desesperada, uma saudade do tempo em que eu não era e que era tempo de se repensar sobre a necessidade de meu existir, uma esperança por serenidade, um desejo de serenidade sobre eu mesmo, uma tolerância in-su-por-tá-vel, uma paciência inútil, um acaso deixando de ser, uma esperança de fatalidade, um excesso de esperança, uma infelicidade insistente, eu, uma vida indecisa, uma certeza de nada, a existência do futuro, a dor, sobretudo a dor, a sombra de melancolia, uma consciência perdida, hoje – uma repetição, uma nostalgia da agonia, a coincidência de inconveniências, a momentaneidade infiel da felicidade – antes nunca se tivesse tido idéia de felicidade – um homem e um destino incerto, uma perdição incompleta, desejos frustrados antes de serem qualquer possibilidade, um dia de aniversário, um dia de morte, a falta do ventre, um destino sem ventre, um vazio futuro, o outro em mim, a existência se desfazendo, o nó da dor, o desatar desse nó, o segredo dos sentimentos, a presença do desconhecido, o desconhecido em mim, conhecido, este dia doído, a solidão edificante, a pujança do nada, as lágrimas que descarregam o sentido, um desespero só meu, a ironia da felicidade, a sinceridade da tristeza, a maluquice da razão, a imoralidade dos valores, a justiça do que tem de ser hoje, a estrela que não brilha mais, a autoridade do sentido, o amanhã de ontem, o ontem do futuro, o silêncio do medo, as tentativas de alegria, o sucesso de cada dia, a noite e o temor, a indiferença do tempo, a exigência da percepção, não quero o destino, não quero as previsões, o acaso e a cura, eu, a vida e o caminho a ser feito.
22 de maio de 2010
11h46min.

domingo, 18 de abril de 2010

MARÇO

É muito difícil falar de março. Procrastinei ao máximo essa escrita, porém março se impôs como um tirano em sua docilidade. Já repararam como março é cheio de vida? Não sei bem se é março ou o outono, eu só sei que essa combinação é frondosa e enche nossos olhos de sentidos. Em tudo que olhamos queremos encontrar março, aliás, em tudo que olhamos março se impõe. As crianças e jovens retornam aos colégios, eis março ali. O sol... que belo o brilho do sol, presentes nuvens, uma chuva que lava a alma, e o cheiro das plantas como que nos convida a uma alegria que nasce sem causa humana. Acho que março congrega. Acho que março nos deixa bem sozinhos. As manhãs são tão delicadas, e à tarde só é possível ver o sol nas coisas. É um tempo intempestivo. É um tempo que da pra sentir a existência, assim como os trovões que parecem requerer da alma um peso que só elas têm. Tudo é tão visível em março, até o outono aparece. São dez horas da manhã e os trovões já gritam à distância que março é. O trovão é um “eu sou” de março. Como as pessoas são visíveis, não consigo deixar de ver cada uma delas. O trovão é de uma impetuosidade, é como se ele me firmasse no chão. E os pássaros parecem não sentir medo dele. E as borboletas? São poucas, mas voam numa inocência invejável. Não sei, mas parece que a leveza delas pesa na imensidão do ar, pois o vento parece não levá-las como leva as folhas secas e sem vida. Mas março sofre por não poder tirar de seu circulo o peso amargo de algumas almas cegas e insensíveis. Não enxergar março é diminuir um mês de existência, é perda de essencialidade. E as mocinhas começam a provar que março está presente, pois começam a passar aqui como pequenas normalistas. Assim os rapazes, todos vindo do colégio. É março se “marcilizando”. Cada março parece último, isso se dá talvez pela unicidade de março. Tudo verde e de uma esperança gigantesca. Emergem da terra os gafanhotos, as tanajuras, as mariposas... todos vivem. As noites de março são sem insônia, por isso achamos que elas são tão curtas, assim que dormimos acordamos. Parece que março é sereno, até os sapos são em março. Os sons são tão audíveis, e até o silêncio se escuta. As árvores parecem grandes, enfim, tudo é demasiadamente em março. Não – lembro-me agora que há faltas insubstituíveis. Março não foge à regra da existência. Não quero falar mais, quero deixar março ser o que é. As palavras podem esvaziar a experiência. É preciso ser sereno com março, deixá-lo ser esse apenas “eu sou”...