domingo, 14 de dezembro de 2008

O ritual demandista

Não é novidade constatarmos que mulheres gostam de bolsas. Melhor, que elas não conseguem viver sem uma, duas, três, quatro etc. bolsas. Hoje mesmo, sair com uma amiga que não sai de casa sem a sua bolsa. E às vezes, confesso, incomoda-me, pois ela a leva até ao barzinho da esquina. Mas hoje, curiosamente, foi diferente, e por quê? Porque fiz o esforço de observar o uso que ela faria da bolsa. Observei? Sim, claro! Resultado: ela apenas tocou a bolsa, e a tocou porque ela – a bolsa – a incomodava em alguns momentos. Aí me perguntei: por que uma pessoa carrega algo que lhe incomoda? Bem, esta pergunta é feita por mim, homem. Certamente que minha amiga, usuária da bolsa, acharia minha pergunta quase que idiota. Mas acho que ela entenderia... ou não. Mas é fato, ela não usou a bolsa pra nada. Mas o que as mulheres levam na bolsa? Ah, com certeza não temos dúvida que não muito raro encontraremos dinheiro, o confortável absorvente, pente, maquiagem, fio-dental (não a calcinha, mas aquele próprio aos dentes!), celular, documentos etc. etc. O cômico é que algumas levam absorvente até quando já menstruaram na semana passada, talvez seja para socorrer alguma amiga que, certamente, tem bolsa e leva absorvente dentro da mesma. Mas, enfim, a bolsa é essencial na vida delas. E é bom que elas tenham algo essencial que lhes dê a sensação de presença. E minha fala não é crítica a esse fato, mas, apenas, descritiva e, talvez, analítica. É que cheguei à conclusão – minha conclusão – que o assunto é mesmo da presença, ou melhor, da falta. O poeta Goethe dizia que a “presença é uma deusa poderosa” – também a ausência! A bolsa – como o copo, a jarra, o vaso – é um recipiente pronto a ser preenchido. Seu sentido e sua função são ser e está vazia para ser toda cheia de algo que lhe seja, essencialmente, estranho à sua natureza. Assim, ainda concluo que a bolsa – como minha amiga, espontaneamente, sugere – atende a certa demanda. Aí tive a curiosidade de saber o que nosso amigo dicionário entende por bolsa e por demanda.
Diz ele a respeito da bolsa:

(s. f.) saquinho onde se traz o dinheiro; saquinha fechada por meio de cordões ou fecho; dinheiro para ocorrer às despesas correntes; conjunto de túnicas concêntricas que envolvem os testículos; saco onde estão instalados certos órgãos, ou cheio de líquidos orgânicos; (no pl. ) alforjes. – de estudo: subsídio ou pensão concedida pelo Estado, e outras instituições, a estudantes e investigadores para prosseguimento de estudos ou financiamento de projectos científicos, no estrangeiro ou no país de origem; - de valores: mercado público organizado segundo regras precisas, onde se reúnem negociantes e corretores para a negociação de títulos de crédito, acções, fundos públicos, etc.; - -do-fel: vesícula biliar; - -de-pastor: erva brassicácea.

E sobre demandar:
(sf) ação de demandar; procura; ação judicial; processo; litígio; (econ.) procura; (psican.) pedido ou exigência mais ou menos consciente expresso pelo paciente, situado entre o desejo e a necessidade.

E sobre aquilo ou aquele que demanda, ele diz:


demandante: (adj2g) que ou aquele que demanda; demandista.
E são variados os tamanhos das bolsas: bolsona, bolsa e boceta. As mais usadas são as bolsonas e as bolsas. Elas, de um modo geral, não gostam de bocetas, o que não entendo. Só as senhoras mais velhas gostam das bocetas para colocar moedas. Em feiras livres são bastante comuns, as bocetas. Geralmente, as bocetas estão entupidas de moedas. As bocetas, mais do que as bolsas e bolsonas, têm uma relação forte com o capitalismo. Em bocetas só se encontra dinheiro. É que não dá nem pra colocar absorvente em bocetas, você acredita?! Só dinheiro! É que na bolsona ou na bolsa é ruim ter moedas, elas são miúdas demais. Nas bocetas não, as moedas são bem visíveis. Ás vezes é possível ver mulheres tirando a boceta de dentro da bolsa. Mas é isso, o que não se pode levar em uma se leva na outra, mesmo que simbolicamente. Dentro de uma boceta não cabe tudo que se cabe numa bolsona, então, se ela não pode botar na boceta, bota na bolsa. A demanda de uma boceta pode até ser grande, mas é a bolsa ou bolsona que atende as demandas das bocetas das demandantes. Pois é... o vazio da bolsa não atende apenas às demandas aparentes das bocetas das demandantes, mas antes atende, simbolicamente, a outras tantas demandas que nem elas sabem – apesar de sentirem.
O que tenho percebido também é que as mulheres de um modo geral têm várias bolsas e bolsonas, agora, boceta só tem uma. Nunca percebi as mulheres tirando várias bocetas de dentro das bolsas, mas apenas uma. Minha mãe, por exemplo, usa de duas a três bolsas ao mesmo tempo, mas apenas uma boceta. Por que ela usa de duas a três bolsas? É que ela tem uma demanda que não dá para atender aqui nesse pequeno texto, nem em sua boceta. Documentos, livros e computadores não cabem em bocetas, mas exigem várias bolsas e simbolizam uma família inteira. Ah, você não entendeu o “simbolicamente”? É que nas bocetas não dá pra colocar todos os objetos que satisfariam as frustrações e recalques das mulheres demandantes. Bem, não quero me delongar nesse assunto, mesmo porque sou homem e a cultura não me permite usar bolsas, e a natureza também não permite que homens entendam delas. Mas também não acredite que por isso nós, homens, não temos demandas. Ah, e como temos! É que se as mulheres não são mulheres quando sem bolsas, os homens não são homens sem carro – ou sem moto, no mínimo sem bicicleta, sem esquecer-se do pobre alazão. E, enquanto são variados os modelos das bolsonas, bolsas e bocetas, assim também os dos carros. E, agora, para meu tormento, inventaram que carro bom é aquele que tem som. Pois bem, enquanto a mulher faz todo um ritual sensual e silencioso com suas bolsonas, bolsas ou bocetas para chamar a atenção dos seus desejáveis homens, estes, num ritual todo barulhento e exibicionista, ligam em alto volume o som de seus carros, tentando atender, simbolicamente, às suas demandas, e querendo chamar a atenção das mulheres que usam bolsonas, bolsas e bocetas silenciosas.
Josemar, Um não bolsista, em 13/12/08 às 19:50h